O tema da presente edição do Festival Internacional de Jardins de Ponte de Lima, “O Clima nos Jardins”, remete, logo à partida, para a relação de interdependência que se estabelece entre a ação, controlada ou não, dos elementos climáticos e a necessária definição das espécies vegetais que apresentem, de acordo com os objetivos que precedem à criação de um jardim, capacidade de aclimatação perante os mesmos. O tema sugere, ainda, se pensarmos na influência direta que os jardins podem exercer em determinados elementos climáticos, a abordagem à problemática, cada vez mais premente, das alterações climáticas.
No entanto, atendendo ao elevadíssimo grau de conhecimento técnico-científico produzido sobre estas matérias, que é disponibilizado através de numa enorme quantidade de publicações da especialidade, optou-se por utilizar o espaço que, nesta publicação, antecede a informação sobre a construção e os jardins a concurso, para promover e divulgar a Área Protegida e Zona Húmida de Importância Internacional de Ponte de Lima.
Pese embora esta tomada de decisão, será de referir, por um lado, a forte correlação entre as condições climáticas e a paisagem/valores naturais evidenciados pela Área de Paisagem Protegida das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro de Arcos, adiante designada abreviadamente por PPLBSPA e, por outro lado – através do trabalho desenvolvido no âmbito da conservação da natureza e da biodiversidade, da educação e sensibilização ambiental mas, também, da promoção do desenvolvimento socioeconómico sustentável – o significativo contributo da mesma no que respeita às respostas conferidas, a nível local, no âmbito da mitigação e da adaptação às alterações climáticas.
A PPLBSPA, criada a 11 de dezembro de 2000 após um longo e difícil processo de conceção e criação, localiza-se no território administrativo pertencente às freguesias de S. Pedro de Arcos, Bertiandos, Estorãos, Moreira de Lima, Sá e Fontão, com acesso pela estrada nacional n.º 202 e pela autoestrada n.º 27 enquadrando-se, em termos naturais, na parte inferior da bacia hidrográfica do rio Estorãos.
A interação entre as características fisiográficas da bacia hidrográfica e as condições climáticas, explicam a formação de uma zona de vale sujeita a inundações periódicas, onde se localiza a PPLBSPA que, assim, funciona como espaço coletor da totalidade da bacia.
Este último facto, justifica, em grande medida, a formação/manutenção dos habitats de zonas húmidas existentes, rio Estorãos e Lagoas, aos quais estão associados a maioria dos valores naturais.
A PPLBSPA desenvolve-se na envolvente a duas lagoas e margens do rio Estorãos, podendo ser divida: i) na zona das lagoas, de S. Pedro de Arcos e do Mimoso, e do rio Estorãos sendo que, em torno destes elementos, surgem áreas de pastagens naturais e bosquetes higrófilos, designadas localmente por tapadas; e ii) na zona das veigas, áreas agrícolas por excelência.
A silvicultura e a pecuária, atividades humanas desenvolvidas nas tapadas, foram e serão fundamentais na preservação e conservação dos valores naturais em presença no espaço. Nas zonas de bosque, com predominância de espécies autóctones, a atividade silvícola, nas suas diversas produções (lenha, madeira, folhagem, cogumelos, etc.), sempre existiu. A exploração é realizada de forma irregular, tendo uma base familiar.
Nas pastagens naturais, o pastoreio e todas as práticas associadas a estes espaços (ex. corte de lenha e mato para cama dos animais) permitiram a manutenção de espaços abertos intercalados, nos limites das parcelas, com sebes vivas à base de salgueiros, amieiros e carvalhos, resultando numa paisagem do tipo “Bocage”. A agricultura é desenvolvida na veiga do Sobreiro e na veiga de Bertiandos, sendo a ocupação dominante determinada pela sucessão anual forragem/milho.
A PPLBSPA inclui diversos valores naturais que a tornam num espaço importante para a conservação da natureza e da biodiversidade a nível regional, nacional e internacional. Tal facto deve-se à presença de uma diversidade de biótopos associados a uma zona húmida continental, nos quais se identificam habitats e espécies de conservação prioritária.
Nas comunidades vegetais, destacam-se os bosques higrófilos, as pastagens naturais e as lagoas de S. Pedro de Arcos e do Mimoso. No que respeita à flora, com mais de 700 espécies inventariadas, será de realçar a presença de: i) endemismos ibéricos, incluindo espécies raras e ameaçadas de extinção; ii) espécies de briófitas consideradas em perigo crítico de extinção e em risco muito elevado/elevado de extinção; iii) espécies de macrofungos raramente relatadas na Península Ibérica e de espécies que, tanto quanto se sabe, são o primeiro registo para a flora micológica portuguesa.
Quanto à fauna, pese embora a dimensão reduzida da PPLBSPA, cerca de 346ha, existe uma interessante diversidade de espécies de vertebrados. Encontram-se descritas pelo menos 223 espécies (148 aves, 41 mamíferos, 13 anfíbios, 11 répteis, e 10 peixes dulciaquícolas ou migradores), das quais 25 possuem elevada prioridade de conservação.
No campo dos invertebrados terrestres, foram identificadas 28 espécies de odonatos que representam cerca de 44% da fauna de odonatos de Portugal Continental e 231 espécies de lepidópteros. A perceção das potencialidades deste espaço singular e das formas de valorização das mesmas, a que se associou a visão e o esforço coletivo de diversos agentes locais, permitiu ao Município de Ponte de Lima a definição e implementação de um projeto de conservação da natureza, de construção social e de desenvolvimento rural e territorial. Reunidas as condições para a utilização racional dos recursos naturais em presença na área, rapidamente viriam a ser realizados inúmeros investimentos, dos quais resultaram um conjunto diversificado de infraestruturas e equipamentos distribuídos por dois polos, a PPLBSPA e a Quinta de Pentieiros.
NA PPLBSPA, concentram-se os equipamentos vocacionados para a interpretação do património natural e histórico-cultural em presença no espaço, a saber:
O CENTRO DE INTERPRETAÇÃO AMBIENTAL
Localiza-se junto à lagoa de S. Pedro de Arcos e é composto por quatro edifícios complementares: administração; mediateca (inclui pequeno laboratório e Centro de Informação do rio Lima); sala polivalente (inclui receção/loja, exposições fixas e temporárias, pequenas salas de aula para apoio aos projetos educativos); e auditório, com capacidade para 108 pessoas.
REDE DE PERCURSOS PEDESTRES
Os 5 percursos pedestres, devidamente sinalizados e dotados de postos de observação/abrigo/informação, promovem o contacto com os valores naturais e atividades humanas presentes no espaço. Os percursos permitem o acesso e circulação a pessoas com mobilidade condicionada e, em determinadas extensões, é possível a utilização da bicicleta e do cavalo. Tal como nas rotas histórico-culturais, encontra-se disponível uma aplicação mobile e topoguias com informação variada sobre cada percurso.
ROTAS HISTÓRICO-CULTURAIS
As três rotas histórico-culturais orientam e direcionam os visitantes para os locais onde se encontram os principais valores do património histórico-cultural, situados nas freguesias vizinhas (ex. solares, pontes, cruzeiros, alminhas, moinhos e igrejas). As rotas promovem uma maior integração e divulgação das freguesias, comprovam o caráter eminentemente rural da área, e atestam a sua ocupação longínqua.
CASA DE ABRIGO
A Casa do Cuco, empreendimento turístico classificado como casa de campo, é um edifício de aparência simples que funciona como unidade de alojamento para visitantes e para investigadores que desenvolvam os seus projetos na PPLBSPA.
A QUINTA DE PENTIEIROS
Exploração agropecuária e florestal adquirida para se instalar um conjunto de infraestruturas e recursos humanos que complementam a oferta e atividade da PPLBSPA, concentra vários equipamentos destinados ao alojamento, ao recreio e lazer e à demonstração e experimentação de técnicas e culturas agropecuárias e florestais. A Quinta de Pentieiros, inclui:
CASAS DE ABRIGO
O sucesso alcançado com a Casa do Cuco abriu caminho à criação da Rede de Casas de Abrigo da PPLBSPA, aumentando a capacidade de acolhimento em espaços concelhios com valor ambiental, paisagístico e cultural relevante. As casas enaltecem e exploram a identidade rural, possibilitam uma oferta variada de atividades de recreio e lazer ao ar livre e, por estes motivos, contribuem significativamente para o desenvolvimento das economias locais. Das doze casas que integraram a rede, apenas duas se mantêm, atualmente, na gestão da PPLBSPA. As restantes, fruto do sucesso alcançado, foram atribuídas à gestão por privados, via concurso público.
QUARTÉIS DE SANTA JUSTA
Os antigos quartéis, após a devida intervenção de requalificação, ganharam uma nova vida, transformando-se num Centro de Interpretação e Vivência Ativa da Natureza, cuja gestão, inicialmente a cargo da PPLBSPA, está agora cometida a um privado.
A atividade diretamente relacionada com a PPLBSPA enquadra-se em três grandes eixos de atuação, a saber: i) conhecimento, gestão e conservação da natureza e da biodiversidade; ii) desenvolvimento rural; e iii) educação e sensibilização ambiental.
A par do trabalho desenvolvido nestes três eixos, cabe ainda à PPLBSPA um conjunto de outras responsabilidades enquadradas na atividade do Município de Ponte de Lima, merecendo destaque:
Ao nível do Desenvolvimento Rural, como se impõe, a maior atenção é dedicada à gestão, manutenção e à dinamização dos equipamentos e infraestruturas coletivas instaladas em resultado da implementação do projeto. Só assim é possível manter e aumentar a procura do território e continuar a fazer do projeto o principal dinamizador socioeconómico do noroeste do concelho de Ponte de Lima que, até ao momento, é responsável pela criação de 38 postos de trabalho diretos e cerca de 20 indiretos.
Ainda assim, fruto do potencial e da intervenção da PPLBSPA, têm sido criadas condições para a instalação de agentes privados e de atividades ligadas aos setores primário e terciário. De realçar:
A Sensibilização e Educação Ambiental tem sido, naturalmente, uma das principais preocupações da PPLBSPA. Assim sendo, nos primeiros anos após a criação da Área Protegida foram realizadas inúmeras ações de sensibilização e educação ambiental que, decorrente de um processo de consolidação e expansão, permitiram a constituição, em 2005, do Serviço Educativo da PPLBSPA.
Destaca-se o programa de apoio às áreas projeto das instituições de ensino que envolve, ao longo de cada ano letivo, a deslocação, à PPLBSPA e à Quinta de Pentieiros, de cerca de 1000 alunos para o desenvolvimento de temas relacionados com o ambiente e mundo rural. A implementação e desenvolvimento deste serviço, que inclui várias propostas de ação, sendo a grande maioria dirigida à população escolar, não só permitiu que as instituições de ensino, nomeadamente as concelhias, reconhecessem a PPLBSPA como um parceiro estratégico no âmbito das atividades extracurriculares associadas ao ambiente e mundo rural, como também, lhe conferiu um peso significativo no seio da comunidade escolar pontelimense. A PPLBSPA, integra, na atualidade, o Conselho Geral do Agrupamento de Escolas de Ponte de Lima.
Neste quadro assistiu-se ao extravasamento das atividades de sensibilização e educação ambiental para o exterior da PPLBPSPA. Como exemplos maiores desta expansão refiram-se a iniciativa Abraço ao Rio Lima e os projetos de implementação de espaços ciência divertida, em todos os 12 centros educativos do concelho, assim como o Festival de Jardins Escolinhas de Ponte de Lima.
O Abraço ao Rio Lima, iniciativa que visa sensibilizar os participantes e a comunidade pontelimense para a necessidade da preservação e valorização do rio Lima, envolve um intercâmbio de experiências e vivências entre jovens de Ponte de Lima e de Xinzo de Lima, vila galega onde nasce o rio Lima.
Os espaços ciência divertida decorrem de um projeto implementado e dinamizado com o objetivo de impulsionar pedagogicamente a cultura científica e tecnológica, com especial ênfase nas camadas mais jovens da população e nos temas ambientais.
O Festival Jardins Escolinhas, visa concorrer para a plena concretização dos objetivos do Festival Internacional de Jardins de Ponte Lima. Envolve, anualmente, a conceção, criação e instalação de 12 jardins efémeros cujos autores são os alunos, do 1.º e 2.º ciclos, das diferentes instituições de ensino concelhias.
Naturalmente, muito ficará por referir relativamente a um projeto que, ao fim de 17 anos, é assumido e reconhecido como sendo uma das mais importantes iniciativas de desenvolvimento rural e de reconstrução social implementadas no concelho de Ponte de Lima, um exemplo no âmbito da conservação da natureza e da biodiversidade e uma referência em termos de educação e sensibilização ambiental.
Deixamos, por isso, o desafio para que os leitores da presente publicação façam uma visita a este recanto de Ponte de Lima, considerado por muitos a “Amazónia” de Portugal, na expetativa de que, tal como num jardim, possam contemplar e desfrutar de tudo o que mesmo tem para oferecer.
Gonçalo Rodrigues