O nosso imaginário vai-se concretizando com novos objectos que povoam o quotidiano e que há poucas décadas eram impensáveis, tanto na sua utilidade como no seu papel desumanizador e perturbador da vida em sociedade. As novas tecnologias e a sua velocidade de transformação não nos devem cegar a relação com a natureza. A desconfiança e o otimismo alternam-se face ás tecnologias invasoras da nossa privacidade.
Nesta globalização galopante que dia após dia nos assola e invade as nossas casas, a imensidão de utilitários - muitas vezes sem aquela utilidade que deles esperávamos - que nos rodeiam e nos impedem de comunicar com os outros, atendendo a que nos absorvem e nos tornam como que autistas, insensíveis, desligados - mas sempre com a falsa sensação de interligados - das mais pequenas sensações que nos rodeiam, do insignificante inseto ao perfume exótico de uma flor. Quando será que a internet nos permitirá deliciar um cheiro, um sabor, um toque....
O Leonel falou-me do romance "O Correio do Tempo", de Robert Silverberg. Um agente de viagens usa uma máquina d tempo para levar turistas aos maiores acontecimentos históricos. A crucificação de Cristo transformou-se no pacote com mais saída. Iam disfarçados com túnicas palestinas, e nada de relógios e nylons, mas quantas mais viagens ele fazia, mais a multidão aumentava no Calvário.
O agente de viagens estava sempre a encontrar-se a si próprio mais aos turistas que levara das últimas vezes, de maneira que já não sabia se a crucificação original tinha muitos ou poucos minores. O negócio acaba mal porque ele fez uma filha, salvo erro, À depravada Imperatriz Messalina, e é a confusão no Império Romano e no presente.
Leonel escolheu, prudentemente, a sua vida privada, nada de História. Usava a máquina para ir a outros tempos, sem ter que dar expplicações mal dadas em casa. Para dizer a verdade, ele não passava de um mulherengo, e meteu-se com várias raparigas. Vivia feliz: hoje ia aos anos 40 à Figueira da Foz, onde tinha família, e amanhã, ia aos anos 70 do Estoril, onde geria três namoradas(aí dava).
Um dia, a desgraça: fez mal as contas e encontrou um homem na cama com a sua mulher preferida, só que era ele próprio 15 aos mais novo e o jovem Leonel desancou-o. A máquina danificou-se e, embora tenha sido há um lustro, foi também recentemente. Não se deve brincar com otempo, ficamos sem saber a quantas andamos.
Recebi uma carta dele num papel que até metia nojo. Pudera, a carta era do século XVI.
- Entrei num convento trapista no centro da Europa. Sou aquele frade que está a levantar uma caneca no rótulo das cervejas que vês no hipermercado. São nove graus de álcool, não abuses. Manda-me microchip na volta do correio.
Rui Cardoso Martins
O Sedutor Espaço-Temporal, in "Espiral do TEmpo",7